top of page

Banco quer pobre sem educação financeira para cobrar juro no cartão, diz Nath Finanças


Nathalia Rodrigues diz que economistas e imprensa têm discurso para ricos

Uma jovem negra de 21 anos da Baixada Fluminense está virando meme e conquistando milhares de seguidores na internet com dicas como “anote seus gastos” e “guarde suas moedas”. Nathalia Rodrigues de Oliveira, que agora é reconhecida na rua pelo nome de seu canal no YouTube, o Nath Finanças, faz vídeos para falar de forma descomplicada sobre economia.

A moradora de Nova Iguaçu quer dar noções de educação financeira para os que ganham pouco. Para ela, que fez técnico em administração, hoje cursa graduação na área e trabalha em uma empresa do setor, é preciso que os pobres saibam se o PIB (Produto Interno Bruto) está bom ou como o preço do dólar afeta o cotidiano. Da mesma forma descontraída com que fala em seus vídeos, ela conversou com a Folha num café no centro do Rio de Janeiro.

Como surgiu o interesse por finanças pessoais? O meu primeiro trabalho foi na auditoria de um shopping, e usei o meu primeiro salário para comprar um pote de sorvete só para mim e ir ao McDonalds. Foi só na faculdade que eu comecei a ter noção de como funciona o sistema financeiro.

Eu tinha uns 18, 19 anos e tinha começado a trabalhar fazendo cartão de loja. A maioria dos que vinham fazer o cartão era de baixa renda. Pessoas que ganhavam um salário mínimo e tinham cinco cartões de lojas com limites superaltos. E as pessoas que ganhavam um pouco mais não queriam fazer cartão. Tive consciência financeira naquele momento. Depois comecei a estudar mais e me apaixonei pelo assunto.

E por que resolveu criar o canal no YouTube? Fui pesquisar na internet se havia conteúdo de educação financeira para pessoas como eu, que trabalham, estudam, ganham pouco e estão aprendendo a organizar seu dinheiro.

Na internet vemos pessoas falando só para quem tem um pouco mais de grana.

Como investir R$ 1.000 ou R$ 10 mil, mas não tem para quem ganha pouco. Mil reais é o salário de uma pessoa, era mais que meu salário, era o dobro. Aí falei: “Cara, vou criar um canal para falar sobre isso”.

E eu falo numa linguagem acessível. O canal é para falar com pessoas como eu, que querem aprender a se organizar de uma forma simples. Mas não é só gente de baixa renda que me assiste.

O que você pensa sobre a atual situação econômica do país? A situação não está boa para ninguém, sobretudo para o pobre. A moeda desvalorizada prejudica quem come pão, quem usa combustível.

O que você acha do discurso dos economistas? Eles falam para a própria bolha . Eles não falam para os pobres. A intenção é que o pobre continue ignorante e se endividando, sem questionar o sistema.

E do discurso da imprensa? Os discursos são liberais. Favorecem a camada de quem tem mais dinheiro, e não quem é pobre. A intenção sempre foi essa, que o pobre não entenda o economês e que ache que o PIB está bom.

Por que o brasileiro está endividado? A falta de emprego é o principal motivo, e o salário defasado. Não é culpa da pessoa estar endividada. Ela não teve educação financeira na escola, não teve matemática de uma forma voltada para sua realidade. Aprendeu como funciona Bhaskara, mas não entende juros simples e compostos. Salário, desemprego e falta de educação financeira são os motivos.

Só agora querem implantar na escola pública, mas nós não sabemos como vai ser isso. O aluno de escola privada tem há tempos.

É possível usar o crédito de forma consciente? O crédito não é ruim. Quando usado de forma consciente, ajuda a realizar muita coisa, como sonhos que você não consegue pagar à vista porque ganha pouco. Mas quando a pessoa não tem controle financeiro e não entende os juros do cartão, ela vai se endividar.

É o caso da maioria. Nunca aprendemos a usar crédito.

Você já ficou devendo na praça? Nunca tive nome sujo. Eu vivia para pagar boleto, porque eu ganhava pouco, mas nunca fiquei com o nome sujo.

Você investe? Sim, invisto em ações, no Tesouro Direto, em alguns CDBs e em fundos.

Já fez seu primeiro milhão? Não. Não tem como, para isso tem que trabalhar muito. Ainda não.

Qual deve ser a relação do trabalhador com a Bolsa? É complicado falar para o trabalhador investir na Bolsa, porque a primeira coisa que ele precisa é de economia doméstica e controle financeiro, para só depois pensar em investir.

É difícil acompanhar a Bolsa quando você trabalha oito horas por dia. Estão falando para as pessoas saírem do Tesouro Direto e irem para a Bolsa. Isso é loucura.

Muita gente não tem noção que Bolsa é uma coisa emocional. Você vai ver que está perdendo e vai querer tirar o dinheiro. E quem se aproveita disso é o cara que está há anos lá. O pobre não está pensando na Bolsa, mas em como sobreviver com o salário dele.

Você defende que se abra mão de coisas para guardar dinheiro? Meu público não tem como abrir mão das coisas. Ele não pode deixar de reservar 30% do salário para o aluguel, por exemplo. Falo só para ele ver o que pode ser economizado dentro da realidade dele.

Eu ensino direitos que as pessoas não sabem que têm. Se você fica sem internet por 30 minutos, tem o direito de pedir desconto na fatura.

Eu falo que banco não quer que pobre tenha educação financeira, quer que pobre pague juros rotativos no cartão.

Qual a dica para quem quer guardar dinheiro e ganha um salário mínimo? A primeira é colocar exatamente o que você quer fazer com o seu dinheiro. A pessoa fica motivada para guardar.

Outra coisa é anotar os gastos e separá-los por categoria: transporte, alimentação, moradia e não deixe de colocar o seu lazer. O litrão [de cerveja] também é importante, mas tem que estar no orçamento.

Planejamento é o principal para ter autocontrole. Guarde R$ 10, R$ 20. Não precisa guardar R$ 100 ou R$ 1.000. Guarde R$ 5, as moedas.

Depois que apareci na TV, um vendedor de balas no ônibus veio falar comigo —eu pego ônibus e demoro duas horas e meia para chegar em casa. Ele disse que aprendia comigo e me parabenizou pelo trabalho. É esse público que eu quero alcançar.

O impacto do coronavírus na economia afeta os mais pobres? A alta do dólar afeta. Tem economista dizendo que dólar alto é bom, porque estão usando de artimanhas técnicas para não falar que estão fracassando, porque eles não querem que o pobre se rebele.

Se o pobre entender que, com o dólar alto, o pão fica mais caro, ele vai se revoltar, porque é o que faz diferença no orçamento. A comida faz diferença, o combustível também. Se o combustível sobe, a passagem [do transporte público] sobe. Eles estão usando o coronavírus como forma de justificar os erros do governo. Os liberais usam isso para justificar seu fracasso.

Seu público está bem equilibrado entre homens e mulheres? A maioria do meu público é feminino no YouTube e no Instagram. No Twitter, a maioria é masculino. Isso é importante. As mulheres que me veem querem ter independência financeira. Não tem essa de que um gênero sabe controlar melhor o dinheiro, isso foi imposto [pela sociedade].

O que na cultura brasileira afeta nosso modo de lidar com as finanças? Tem a cultura do patriarcado. Somos ensinadas, há anos e até hoje, que o homem tem de controlar o dinheiro e trabalhar, e que a mulher tem de ficar em casa. Isso é cultural. Mas eu acho que vamos mudar o mundo.

Em quem você se inspira? Além da minha mãe, o Julius e a Rochelle do [seriado] “Todo Mundo Odeia o Chris”, porque também são uma crítica. E um professor meu da faculdade.

Eu não falo daquela forma meritocrática: “Todo mundo pode guardar R$ 1 milhão”. Não é todo mundo, não, eu tenho essa consciência de classe. Isso assusta as pessoas, como alguns economistas que me criticam por isso.

Tem gente que acha que não precisa falar de economia para pobres. Eu estou incomodando esses homens. Tem gente que não vai gostar do meu trabalho, e tudo bem. Eu sei que vou incomodar e estou aprendendo a lidar com isso. Não posso xingar todo mundo, minha mãe me deu educação. As pessoas que me seguem me apoiam e sabem que não preciso me vender para falar de finanças. Tem mil pessoas que me odeiam? Só lamento.

Folha de SP

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page