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Ainda sobre o que querem as mulheres


Há enorme espaço para políticas direcionadas à mulher no combate às desigualdades

Na coluna passada, documentei as muitas desigualdades entre os gêneros que persistem no país, tornando a implementação de políticas voltadas à mulher uma grande oportunidade.

Surpreendentemente, pouco avançamos nessa direção. Ou desconhecemos os fatos ou não o reconhecemos como problema ou ignoramos as soluções.

É difícil argumentar que não conhecemos os fatos. As estatísticas estão publicamente disponíveis. Também é difícil dizer que o diferencial por gênero não seja um problema em si.

Poucas evidências apontam para diferenças inatas entre homens e mulheres. Pelo contrário, as diferenças se acumulam ao longo do tempo em resposta a normas sociais e papéis que são associados aos gêneros.

Há, portanto, enorme espaço para políticas direcionadas à mulher no combate às desigualdades, especialmente as relacionadas à maternidade —razão principal da divergência entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Estudo de Henrik Kleven e coautores mostra que a penalidade do filho, em rendimentos, é de 44% no Reino Unido, 31% nos EUA, 26% na Suécia e 21% na Dinamarca.

Inevitavelmente, políticas e práticas que combatem desigualdades entre homens e mulheres abordam a maternidade, com efeitos mesmo para aquelas que não têm filhos, já que permanecem associadas a um grupo bem identificado. Mas, nesse aspecto, são pelo menos duas as dimensões de atraso do Brasil em relação aos países desenvolvidos: o controle da fecundidade e o compartilhamento das responsabilidades.

Como evidência da primeira dimensão, a taxa de fecundidade das meninas entre 15 e 19 anos permanece alta em perspectiva comparada. Nessas idades, o controle da fecundidade permite importantes investimentos produtivos, sem a interrupção decorrente de uma gravidez indesejada.

Nos EUA, a descoberta e a distribuição dos anticoncepcionais orais, em 1970, permitiu que as mulheres pudessem adiar a decisão de casar, entrar na faculdade e escolher profissões tradicionalmente dominadas por homens. Assim, é possível direcionar, de forma mais efetiva, ações para as mais jovens e mais pobres —população que enfrenta as maiores barreiras de acesso a métodos anticoncepcionais, sendo ao mesmo tempo as maiores beneficiárias do controle de fecundidade.

Com relação à segunda dimensão, políticas compensatórias associadas aos cuidados com os filhos podem incidir sobre ambos gêneros. No Brasil, a licença ainda é diretamente associada à mulher, e muitas discussões envolvem a ampliação do tempo de afastamento, ainda que a evidência empírica aponte para efeitos bastante limitados das extensões.

Mais interessante seria discutirmos a criação de licenças parentais e o compartilhamento das licenças entre os gêneros, equilibrando as responsabilidades e tarefas também no ambiente doméstico. Também é necessário discutir se políticas compensatórias à maternidade devem se dar apenas no mercado de trabalho formal, levando em conta a enorme informalidade que existe na nossa economia e a inserção diferenciada entre mulheres brancas e negras nesses dois mercados.

É claro que há outras práticas que promovem a igualdade de gênero no mercado de trabalho, especialmente dentro das firmas, como a transparência e a divulgação das remunerações dos funcionários e ambientes de trabalho mais flexíveis.

Apesar de positiva, a discussão que hoje se faz internacionalmente teria impactos limitado no Brasil, já que aqui informalidade e desemprego são maiores também para as mulheres. Focar o básico parece mais fácil e eficaz.

Que o ano de 2020 seja tempo fértil para discussões mais produtivas. Boas festas!

Cecilia Machado

Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV.

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