Na crise do coronavírus ou fora dela, empresas de todos os tamanhos têm uma saída em vez da demissão. O caminho é bom tanto para o empregador quanto para o empregado
Na crise do coronavírus ou fora dela, empresas de todos os tamanhos têm uma saída em vez da demissão: a qualificação do funcionário, que pode sair mais barata. O caminho é bom tanto para o empregador quanto para o empregado. O governo trouxe algumas possibilidades para aliviar o caixa das empresas e, em tese, impedir o desemprego em massa até 31 de dezembro deste ano, durante o estado de calamidade. Além de reduzir os salários em até 70% por até quatro meses ou suspender os contratos de trabalho pelo mesmo período, as empresas podem suspender os contratos de trabalho, por no máximo três meses, para que o empregado participe de um curso para qualificação profissional, oferecido pelo empregador, com estabilidade de emprego durante esse tempo.
Isso pode acontecer desde que haja uma convenção ou acordo coletivo de trabalho com o sindicato e que o empregado concorde formalmente. O curso pode ser on-line, ter qualquer carga horária e ser sobre qualquer assunto pertinente ao trabalho.
Essa modalidade de suspensão se chama “lay off” para qualificação e tem sido pouco falada, mas é um caminho. Fora da pandemia, a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) também autoriza essa possibilidade, porém, por um período de dois a cinco meses, em vez de até três.
Durante a crise do coronavírus, nada impede que as empresas suspendam os contratos de trabalho para a qualificação dos empregados mesmo depois de já terem reduzido os salários ou suspendido os contratos por até quatro meses, segundo Ricardo Cerqueira Leite, especialista em direito empresarial do escritório Cerqueira Leite Advogados.
Ou seja, no total, a pessoa ficaria sete meses sem trabalhar, ou quatro com salário reduzido e mais três afastada para o curso. Essa qualificação deve ser custeada pela empresa e pode sair mais barata do que demitir as pessoas. "A economia pode ser de até 70%", diz Cerqueira Leite.
O advogado explica que durante a suspensão do contrato de trabalho, o empregado não recebe salário, mas pode receber uma ajuda da empresa. Porém, o empregador não precisa pagar verbas previdenciárias e encargos trabalhistas sobre essa ajuda, ou seja, suas despesas com a folha de pagamento são reduzidas.
A empresa deve manter os benefícios já existentes, como auxílio e vale. Durante esse período de no máximo três meses, o trabalhador recebe uma bolsa de qualificação profissional, custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), até o limite do teto do seguro-desemprego, de R$ 1.813,03. Esse dinheiro vai direto do governo para a conta do funcionário e não passa pela empresa.
Veja as contas
Imagine uma empresa que resolva adotar a suspensão do contrato de trabalho para a qualificação profissional de 100 empregados e que cada um ganhe, em média, R$ 3 mil. Essa empresa gastaria aproximadamente R$ 590 mil por mês com a folha de pagamento, ao considerar verbas previdenciárias, encargos trabalhistas e benefícios de aproximadamente 10% dos salários.
Durante o período do curso, a empresa não vai pagar os salários, mas vai dar uma ajuda de R$ 600 por mês para os funcionários e vai gastar mais R$ 600 por mês com cada um para pagar a qualificação profissional, por exemplo. Como essas verbas não integram o salário, o valor da “nova folha”, já considerando os benefícios, seria de R$ 178 mil por mês.
Portanto, a suspensão dos contratos de trabalho para qualificação, por um período de 3 meses, poderia trazer uma economia à empresa de R$ 1,2 milhão.
Durante esse tempo, cada empregado receberia mensalmente R$ 1.813,03 do governo, mais R$ 600 de ajuda da empresa e, ainda, a qualificação de R$ 600. Assim, somando todos esses valores, cada funcionário receberia R$ 3.013,03 por mês, ou seja, praticamente o mesmo salário. Uma parte dele virá na forma de qualificação, mas a pessoa não perde o emprego. Sem contar o valor simbólico do curso, entraria no bolso do trabalhador R$ 2.413,03.
Se o empregado fosse demitido, receberia mais dinheiro imediatamente, mas não teria seu emprego mantido, nem o curso. Por exemplo, um funcionário que trabalhou por cinco anos na empresa, com salário de R$ 3 mil, receberia aproximadamente R$ 18 mil de verbas rescisórias.
Para a empresa, o desembolso das verbas rescisórias teria um efeito relevante no seu caixa. Para o empregado, apesar de receber valor mais expressivo, estaria desempregado.
Outras vantagens
Além de ser mais barato para a empresa, oferecer a qualificação profissional tem outras vantagens. Entre elas, o aumento do engajamento dos funcionários. "O empregado tem memória, tem história, assimilou os princípios e os valores da empresa. Quando você perde o empregado, você perde muita coisa. E quando você mantém, ganha competitividade na retomada", diz Cerqueira Leite.
O advogado lembra que, quando a pandemia passar, além de ter gastado dinheiro com a dispensa do funcionário, a empresa vai ter perdido inteligência. Ou seja, uma demissão sem análise estratégica põe em risco a retomada da própria empresa.
Antonio Salvador, líder de negócios de carreiras na consultoria Mercer Brasil, concorda que trocar as pessoas é um risco alto para a empresa. De acordo com Salvador, demitir pessoas que estão entregando resultados pode esconder algo que está errado no jeito de gerenciar.
"Em um restaurante, tem gente que é garçom há 25 anos e que de repente pode se tornar um excelente gestor de delivery, porque é ágil. As empresas classificam as pessoas e limitam que elas não podem ser nada a mais do que são, quando na verdade todo mundo é um monte de coisas", diz Salvador.
Segundo uma pesquisa da empresa de análise de crédito Boa Vista, 38% das empresas diminuíram o quadro de funcionários na pandemia, principalmente no setor da indústria e nas médias e grandes empresas. As principais ações para diminuição de quadro foram demissão (50%), suspensão temporária de contrato (26%) e redução da jornada (24%).
O levantamento ouviu 1.260 empresários dos setores indústria, comércio e serviços em todo o país. Mais da metade (57%) das empresas acredita que vai demorar seis meses ou mais para a recuperação dos negócios. Ou seja, a qualificação é uma alternativa para essas empresas.
Como qualificar as pessoas
Passados mais de 100 dias que a pandemia começou, os negócios que conseguiram sobreviver agora podem olhar para o seu time e decidir quem precisa ser desenvolvido. "Este é o momento. Não dá para desenvolver competências nas pessoas com o Titanic afundando, mas agora dá", diz Salvador, da Mercer.
Para escolher o tipo de qualificação, ele sugere que o empregador escolha os seus três principais problemas para resolver. O atendimento ao cliente, a necessidade de aumentar as vendas ou de lidar com o e-commerce podem ser o que mais está apertando o calo. Pode ser também a necessidade de reduzir custos ou de inovar.
"Quais são suas dores? Escolha três. Qualquer empresário tem 25. Comece com as três prioritárias. É muito importante ter foco", afirma o consultor.
Mesmo pequenas empresas têm se dado conta de que habilidades comportamentais são cada vez mais importantes, segundo Salvador. Desenvolver competências como agilidade mental e inclusão para inovar está em alta.
Fonte: Valor Investe
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