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Pacotão do emprego aprovado na Câmara fere Constituição, avalia procurador-geral do Trabalho

José de Lima Ramos aponta diversas irregularidades no texto, que prevê a contratação de trabalhadores sem vínculo formal e a redução no pagamento de horas extras; Senado tem até o próximo dia 7 para analisar as modificações (Por Eduardo Rodrigues)


A uma semana do fim do prazo para a votação do pacotão trabalhista que permite a contratação de pessoas sem vínculo formal e a redução de horas extras, o novo procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), José de Lima Ramos Pereira, pede para que os senadores deixem o texto perder a validade.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele alerta que o texto final aprovado na Câmara dos Deputados é inconstitucional e fatalmente acabará na Justiça se for aprovado pelos senadores, que têm até o dia 7 de setembro para a análise.

Originalmente, a Medida Provisória 1.045 foi publicada para permitir a reabertura de adesões ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) de suspensão e redução de jornada e salários durante a pandemia. Durante a tramitação no Congresso, no entanto, a medida saltou de 23 para mais de 90 artigos. O governo acabou pegando carona no programa emergencial para propor a criação de três novas modalidades de contratação que, na avaliação do MPT, precarizam as relações trabalhistas.

Um deles, o chamado Priore, prevê a contratação de trabalhadores de 18 a 29 anos ou com mais de 55 anos mediante encargos salariais menores, incluindo pagamento de FGTS e contribuição à Previdência. Outro, nomeado de Requip, permite o pagamento de bolsas de inclusão e de qualificação para profissionais de 18 a 29 anos ou de baixa renda, sem vínculo ou direitos trabalhistas, apenas com vale transporte. Uma terceira iniciativa institui o chamado “serviço social voluntário”, por meio do qual prefeituras poderiam contratar trabalhadores de 18 a 29 anos ou com mais de 50 anos. Como incentivo, a União pagaria uma espécie de bolsa, de até R$ 125 mensais.

“Todos os três programas têm várias inconstitucionalidades. Ao tentar criá-los por meio de uma MP – com prazo limitado para discussão – o governo encurta o processo e não deixa o debate acontecer nas duas casas do Parlamento”, diz Pereira. “O processo legislativo foi esquecido e o Priore, o Requipe e o programa voluntário estão sendo criados sem passar por audiências públicas, sem que empregadores, trabalhadores e governo sejam ouvidos – como determina a Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.

Ele lembra que o objetivo original da MP 1.045 em reabrir o programa que permite suspender de contrato ou redução de salário e jornada por quatro meses já foi cumprido, tanto que o governo nem mesmo cogitou ampliar novamente o prazo para as adesões. Ou seja, caso o texto seja votado, os senadores estariam avaliando na prática apenas as matérias que não têm relação com o escopo original da medida – os chamados “jabutis”, no jargão do Congresso Nacional.

“O que vemos é que o tema principal foi engolido pelos temas acessórios. Esse é um detalhe perigoso. O correto seria a MP perder a validade ou a retirada dessas matérias estranhas, o que nem justificaria mais a votação da proposta. Sobre o conteúdo – que se choca com a Constituição – cabe uma discussão muito grande”, afirma o procurador-geral do MPT.

‘Desumano’ Pereira lista ainda outros problemas do texto como a redução do valor da hora extra para categorias com jornada inferior a 8 horas de trabalho por dia, como bancários, telefonistas, advogados, jornalistas e aeroviários. Pela proposta, o valor do adicional sobre a hora trabalhada cairia de 50% para 20%. “A proposta ainda aumenta a jornada de trabalho no subsolo, para mineiros, para até 12 horas. É uma crueldade, é desumano”, diz o chefe do MPT.

Outra crítica é em relação à exigência de que o trabalhador comprove a baixa renda familiar (de até três salários mínimos, hoje $ 3,3 mil) para ter acesso à gratuidade da Justiça. “O texto obriga a comprovação da situação econômica precária, sendo que hoje basta a autodeclaração, que funciona bem desde a década de 1950. Essa medida só vai afastar as pessoas da Justiça. São cidadãos que estão preocupados com a manutenção de sua sobrevivência. O acesso à Justiça tem que ser garantido a todos”, acrescenta.

A chamada exclusividade de fiscalização do Ministério Público do Trabalho – que impede que outros órgãos possam trabalhar com o MPT para averiguar irregularidades trabalhistas – e mudanças nos Termos de Ajuste de Conduta (TACs) são vistos por Pereira como formas de tentar enfraquecer a atuação dos procuradores do trabalho. Ele lembra que mais de R$ 375,6 milhões em multas aplicadas em TACs foram destinados desde o ano passado para ações de combate a covid-19.

“O ato de investigar e fiscalizar é antipático, mas é necessário. O MPT tem previsão constitucional, e por mais que tentem, que busquem, não vão conseguir reduzir a nossa atuação”.

Fonte: Estadão

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