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IBGE pede a teles repasse imediato de dados de clientes para pesquisa de emprego

Críticas à medida provisória caem mais sobre governo Bolsonaro do que a pedido do instituto


O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) pede urgência às operadoras de telecomunicações para que enviem dados de seus clientes para a elaboração da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, que mede o nível de desocupação no país, e da PNAD-Covid, que irá investigar casos da doença no país.

Pela primeira vez, a pesquisa poderá ser feita por telefone para respeitar o isolamento social imposto pela pandemia de coronavírus.

Em documento obtido pela Folha, o instituto solicita a "transmissão imediata" de nome completo, número de telefone e respectivo endereço de todos os consumidores de telefonia fixa e móvel, pessoas físicas e jurídicas. O ofício foi enviado antes do prazo de sete dias estipulado pelo governo.

O instituto dá três alternativas para o repasse: por meio de "database dump com password" [transmissão de banco de dados em uma linguagem estruturada e com senha] usando o drive do IBGE para depositar o arquivo, recebimento presencial dos dados contidos em um HD ou por meio de sistema de nuvem da preferência da operadora.

Para operacionalizar o trâmite, o IBGE dá o número de um servidor. No fim do documento, o instituto ressalta que os dados "terão caráter sigiloso, serão usados para fins estatísticos e não poderão ser objetos de certidão ou servir de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial".

O pedido pelas informações dos cidadãos partiu do IBGE ao Ministério da Economia, que acatou a solicitação. O presidente Jair Bolsonaro, então, editou a MP 954 em 17 de abril, determinando que as operadoras transmitissem os dados para fins estatísticos. A coleta presencial domiciliar foi suspensa no mesmo dia.

A PNAD por meio de telefone causou reação de partidos políticos da oposição e da OAB, que impetraram quatro ações no STF (Supremo Tribunal Federal) nesta semana. Trechos das peças alegam que o repasse de dados de cerca de 200 milhões de clientes é desproporcional e viola direitos de intimidade e privacidade.

A redação da medida foi considerada abrangente e sem finalidade específica, como determinaria a Lei Geral de Proteção de Dados —que, apesar de ser mencionada pela Anatel em suas recomendações de segurança e pelo próprio governo federal, foi adiada junto à autoridade fiscalizadora. A MP não chega a mencionar que o objetivo é a elaboração da PNAD, argumentam os críticos.

Algumas ações, no entanto, têm caráter mais político e direcionado ao governo Bolsonaro. A do PSBD, por exemplo, diz que o ato é “típico dos Estados ditatoriais, ao despir o brasileiro de seus direitos fundamentais essenciais ao convívio em sociedade”.​

No dia 20, a ministra do STF Rosa Weber havia dado 48 horas para o IBGE e a Anatel explicarem sobre compartilhamento de dados.

No Congresso, o prazo para a apresentação de emendas à MP 954 terminou na noite de quarta. Foram protocoladas 344 propostas, grande parte em defesa da diminuição de dados não estritamente necessários, da elaboração de um relatório de impacto de segurança da informação anterior ao uso de dados (não posterior, como proposto) e de mais transparência por parte do governo federal.

Outro ponto citado é que Brasil não tem uma autoridade para fiscalizar o uso de dados pelo Poder Público. Após a onda de reação, o IBGE divulgou comunicado, no dia 20, informando que a PNAD-Covid é essencial para "subsidiar o Estado, especialmente nas áreas de saúde e economia, com dados relevantes para o conhecimento do rendimento, ocupação e desocupação da população brasileira e o combate à pandemia".

Ex-presidentes da entidade vieram a público repudiar a resistência. Nota assinada por nove ex-titulares afirma que, sem essas informações, "os governos federal, estaduais e municipais ficam às cegas para voltar a normalidade e desenvolver as políticas fiscais, sociais e econômicas que se tornarão necessárias".

"Quanto a detalhes jurídicos, a MP pode ser aperfeiçoada para dar garantias. Mas nossa reação é que se ela for cancelada pelo STF teremos um apagão estatístico", disse à Folha o economista e ex-presidente do IBGE Edmar Bacha.

Segundo ele, a questão tomou contornos políticos e ajustes à MP não precisavam chegar ao STF. "É como pegar uma antiga lista de telefone", diz. Ele também rebate o argumento de que a amostra é ampla. "É aula de estatística número 1: para extrair uma amostra representativa, tem que conhecer o universo."

Críticos afirmam que a reação não é à instituição e que também não há desconfiança sobre a condução do IBGE no tratamento de dados.

"O IBGE não tem a ver com isso. O problema é a MP, que é absurda, e na minha visão é até inconstitucional", diz Ronaldo Lemos, advogado, colunista da Folha e professor na Columbia University.

Reportagem da Folha na terça-feira (22) mostra que o país vive um apagão estatístico durante a pandemia e que não há dados oficiais para entender o que trabalhadores do país estão enfrentando no dia a dia.

Além da resistência ao PNAD, o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), que mede o sobe e desce do emprego formal, não foi divulgado este ano.

Especialistas dizem que a realização por telefone, apesar de comum em países como Estados Unidos, deve invariavelmente criar distorções. De acordo com eles, haverá ruído na pesquisa devido à comunicação não presencial e a amostra passará a ser pelo número de pessoas que atendem e não pelo número de pessoas abordadas.

Folha de SP

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