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Programa que salva emprego formal empobrece trabalhador, diz estudo

Para economista, reposição parcial do salário impõe perda severa a quem ganha de 3 a 4 mínimos


O programa emergencial que prevê corte de jornada e de salário na iniciativa privada, em troca de garantia de emprego, lançado pelo governo, vai levar muitos trabalhadores formais à pobreza, aponta levantamento realizado pelo economista Gabriel Ulyssea, professor associado da Universidade de Oxford.

Ulyssea analisou as recomposições salariais previstas no programa e concluiu que o efeito perda de renda é especialmente severo para quem ganha de três a quatro salários mínimos.

Segundo ele, o programa tem o espírito correto, mas está mal desenhado —faz a recomposição parcial do salário a partir de frações do seguro-desemprego. Mas o valor do benefício oferecido pelo governo, diz ele, deveria considerar a manutenção do salário integral do trabalhador.

A regra de pagamento do seguro-desemprego prevê três faixas de cálculo, além do valor mínimo, que será sempre o piso dos salários, de R$ 1.045 neste ano. O valor máximo equivale a menos de 1,8 salário mínimo: R$ 1.813,03.

A vinculação do benefício ao seguro-desemprego achata o valor final a que o trabalhador tem direito, diz o economista. Quanto mais ele ganha, menor será a renda durante o período pelo qual a empresa adotar as regras do programa.

Para quem decidir por jornada e salário menores, a duração pode ser de até três meses. Essa redução salarial também será maior nos casos em que a empresa optar pela suspensão dos contratos. Com exceção das firmas maiores, com faturamento anual acima de R$ 4,8 milhões, as demais poderão manter o vínculo suspenso por até dois meses. Nesse intervalo, só pagarão aos funcionários benefícios previstos em contrato, como plano de saúde.


A remuneração será igual ao valor do seguro-desemprego.

Para Ulyssea, o teto do seguro acaba sendo um valor arbitrário. “Para o trabalhador que recebe até um salário mínimo e meio, não vai fazer diferença. O que a gente chama de taxa de reposição —ou seja, o quanto o seguro-desemprego repõe da renda anterior do trabalhador— é alta, em torno de 80%”, diz.

O problema, segundo o pesquisador, é que existe um contingente grande de trabalhadores que recebem mais, entre três e quatro salários mínimos —e ainda não é de alta renda—, mas que ficarão com uma reposição baixa ante a remuneração que recebia antes.

Um trabalhador com um salário médio de R$ 4.180 receberá R$ 1.813,03 por dois meses se a empresa que o emprega decidir suspender o contrato. A redução é de 56%, e taxa de reposição, de 43%.

Para o pesquisador, é desejável que essa proporção seja mais equilibrada, chegando a 70% ou 80% da renda.

“Não é um rendimento baixo, mas, se você considerar uma família com duas crianças, a renda per capita já não vai ser tão alta. Se a renda desse chefe de domicílio cair a 40%, essa família vai passar por dificuldades”, diz.

Ulyssea considera haver grande risco, mesmo entre os trabalhadores formais, de um contingente elevado fazer a transição para a pobreza.

Ele afirma, no entanto, que a chave da política emergencial —e também onde o governo acerta— é dar a possibilidade de as empresas pararem durante o momento mais agudo da crise, sem que haja a dissolução do vínculo de emprego.

A falha é a vinculação ao seguro-desemprego e, para o economista, o momento exige um esforço fiscal extraordinário, ainda que leve a maior endividamento do governo.

No caso da redução de salário e jornada, a medida provisória enviada pelo governo manteve o valor do rendimento por hora. Assim, se o empregador reduzir em 25% o salário, o governo pagará 25% do equivalente ao seguro-desemprego.

O encolhimento da renda será menor, mas pode chegar à metade, quanto maior o salário. Alguém que receba R$ 10 mil ficará com um benefício emergencial de R$ 4.269 se o acordo fechado com a empresa for de um corte de 70%.

A concessão do auxílio-emergencial de R$ 600, cuja liberação começou na quinta-feira (9), vai na direção correta de proteger os que estão mais vulneráveis na crise. Ele considera, entretanto, que falta uma melhor coordenação entre as políticas de proteção.

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, considera que o programa protege mais os trabalhadores da base da pirâmide e indica que o governo não quer gastar muito para assegurar renda.


Os 50% mais pobres entre os trabalhadores formais em 2019 não recebiam mais do que o salário mínimo. Segundo o IBGE, no trimestre encerrado em fevereiro, o rendimento médio do trabalho com carteira foi de R$ 1.290.

“É um tipo de medida importante para proteger empregos. Essa vai ser uma recessão muito atípica, repentina e aguda, criada por uma parada súbita de quase todas as atividades”, diz.

As pessoas de renda maior, diz Neri, têm, em média, 14,5 anos de educação formal, além de qualificação e acesso à tecnologia. Essas condições garantem a esses trabalhadores menos chances de perder o emprego, especialmente nesse início da crise.

“Essa população tem escolaridade razoável, pode trabalhar em casa. Em períodos de recessão, você demite antes pessoas menos qualificadas e que podem ser rapidamente repostas após a crise.”

Para Neri, o esforço do governo vai no sentido de proteger quem tem menos condições e está mais vulnerável e sujeito à demissão. Ele considera importante que as empresas tenham condições de manter o vínculo.

“As pessoas com renda mais alta têm mais chances de enfrentar um período assim, muitas têm poupança, mas não é uma regra que se encaixe a todos”, afirma.

Entre as exceções, o pesquisador da FGV Social cita os empregados do setor hoteleiro e das companhias aéreas, que têm alta qualificação, mas estão sob risco diante da paralisia das atividades.

Para Ulyssea, o Brasil passará por uma recessão severa, com impactos duradouros no mercado de trabalho, incluindo agravamento da informalidade.

Assim, diz ele, a manutenção do vínculo de emprego neste momento vai ajudar na da retomada lá na frente.

“Do ponto de vista produtivo, essa relação trabalhador-empresa é um capital intangível. O trabalhador conhece como aquela empresa funciona, a empresa já conhece o trabalhador, já tem um hábito de trabalho formado e todas essas coisas afetam produtividade”, diz ele.

“Assim, sempre que você precisa trocar um funcionário, há um processo de treinamento para aquela pessoa se familiarizar. Tudo isso fica preservado se você conservar o vínculo.


Folha de SP

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