Na média, varejo já vende mais que em fevereiro, mas pobres podem ficar para trás
A recuperação da economia anda de fato mais rápida do que o esperado. Não, não quer dizer que a situação não seja horrível ou que tenhamos saído do poço. Pelas projeções por ora mais otimistas, mas ainda razoáveis, ao final de 2021 o PIB terá recuperado apenas três quartos da perda deste 2020. Muito importante, há um grande risco de a recuperação ser mais lenta para os mais pobres, para variar –mais sobre isso adiante.
As vendas no varejo aumentaram mais do que o esperado em julho e ultrapassaram o nível de fevereiro, mostram os dados do IBGE divulgados nesta quinta-feira. Há setores ainda muito arrebentados, bem abaixo nível de faturamento de antes da pandemia, convém lembrar. Trata-se das lojas de tecidos, vestuário e calçados, das livrarias, dos postos de combustíveis e de quem vende material para escritório e de informática, por exemplo. A pandemia ainda limita a circulação pelas cidades e a proximidade física, o que afeta muitos desses lojistas.
No varejo dito “ampliado”, a coisa ainda vai mal para veículos e suas peças, mas não para material de construção. A indústria de veículos, porém, é um dos centros da economia brasileira.
Como se escreveu tantas vezes nessas colunas, o destino da recuperação depende obviamente da inclinação dos remediados a gastar a poupança acumulada no confinamento, do efeito que terá o corte de gastos do governo, em particular do auxílio emergencial, e da duração da pandemia, que influencia a propensão a circular, além do medo do presente e do futuro. No entanto, quanto mais rápida a despiora, menor será o impacto do corte da despesa pública. Ainda assim, esse tende a ser um problema grave. A movimentação ainda reduzida nas cidades, o medo da doença e o fim dos auxílios emergenciais vão afetar especialmente os mais pobres, que se ocupam de serviços informais e do microcomércio local. Não é apenas intuitivo. Há dados. O economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia, da FGV, fez as contas, que tem apresentado no blog da instituição. Duque mostra que a desigualdade na “renda efetiva domiciliar per capita” (renda do pessoal de uma casa dividida pelo número de habitantes) diminuiu muito na pandemia, graças ao auxílio emergencial. A desigualdade da “renda efetiva do trabalho”, já horrenda, aumentou brutalmente, porém. A calamidade do coronavírus afeta especialmente o trabalho informal, concentrado no comércio e demais serviços, que dependem de circulação, aglomeração, contatos próximos, e que emprega pessoas com menos qualificação e experiência, é bom repetir. O setor de serviços em geral tende a se recuperar mais lentamente, é óbvio. O negócio de entretenimento e espetáculos, por exemplo, vai padecer muito ainda e sabe-se lá quantos vão sobreviver no ramo. As vendas de combustíveis e de passagens de transporte público ainda estão muito deprimidas, um indicador aproximado de circulação e indireto de contato entre pessoas, situação calamitosa para os informais. Note-se que estamos falando aqui apenas da dificuldade de recuperação do nível de trabalho precário anterior ao da praga do vírus, o remédio ruim restante para uma economia quase estagnada e ainda no poço da recessão de 2014-2016. Mas é o que temos. O que fazer? Precisamos de algum incremento no programa de renda mínima (algo entre o Bolsa Família e o auxílio emergencial) e a volta do investimento em obras, que emprega muita gente do povo miúdo. É o mínimo, que ainda não temos.
Vinicius Torres FreireJornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Folha de SP
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