Consolidação do setor de serviços financeiros é motivada por redução de custos e diversificação de investimentos
De um lado, um aumento na concorrência que levou à redução nas margens combinada a um maior gasto com tecnologia. Do outro, a busca dos correntistas pelos mais variados tipos de investimentos, especialmente, os de renda variável. A solução: uma onda de aquisições de corretoras por bancos.
Em julho, o Neon comprou as licenças da Magliano Invest, corretora mais antiga em funcionamento do Brasil, que já havia transferido seus clientes para a Guide Investimentos. Em setembro, o Nubank adquiriu a Easynvest. Em outubro, foi a vez do BTG levar a Necton, que surgiu da junção das tradicionais Concórdia e Spinelli, depois de o banco ter concluído a compra de 80% da corretora Ourinvest em abril.
“É um movimento que veio para ficar. O banco começa como fintech, mas no fim tem que oferecer todo os produtos para clientes para concorrer com os bancões, por isso procura corretoras”, diz Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano e neto do fundador da corretora de 1927.
Segundo ele, as fintechs estão capitalizadas por serem a aposta para o futuro do mercado financeiro, os que a fornece caixa para comprar e manter corretoras.
Um dos maiores custos do setor é o investimento em tecnologia, que se mostra cada vez mais importante na avaliação dos clientes —são frequentes as críticas em redes sociais a quedas nos sistemas de corretoras, que impedem o investidor de comprar ou vender ações, de acordo com o movimento do pregão.
Nos primeiros seis meses deste ano, o grupo XP gastou R$ 40,7 milhões com serviços de tecnologia, um crescimento de 54% em relação ao mesmo período de 2019, quando foram R$ 26,4 milhões.
“É uma concorrência que não é barata, corretoras gastam cada vez mais dinheiro na digitalização. Para a corretora ser lucrativa tem que ter muito cliente e muito produto. Ou a corretora vira banco digital ou o banco digital compra corretora”, diz Magliano Neto.
A XP, que nasceu como corretora, foi autorizada pelo Banco Central a operar como banco múltiplo em dezembro de 2018. No momento, o grupo testa seu cartão de crédito com um grupo de funcionários, para disponibilizá-lo aos clientes em 2021,e já oferece empréstimos a pessoas jurídicas por meio do XP Empresas. O crescimento do grupo dá fôlego à briga com um dos seus donos, o Itaú, que, por sua vez, investe em seus próprios braços de investimento.
Segundo participantes do setor, a consolidação dos serviços financeiros no Brasil é uma tendência natural e se assemelha ao que já aconteceu nos Estados Unidos. Por lá, a tradicional corretora Charles Schwab, uma das maiores do país, oferece cada vez mais produtos financeiros e a digital Robinhood tem entrado nos serviços bancários, com uma espécie de conta corrente com cartão de débito.
O processo é conhecido como financial deepening (aprofundamento financeiro na tradução literal). Este termo se refere à crescente prestação de serviços financeiros combinada à procura do investidor por cada vez mais produtos. Um mergulho que levou décadas nos Estados Unidos e ocorre de forma acelerada no Brasil.
“O mercado de investimento está em um dos melhores momentos dos últimos anos. Além do juro baixo ser revolucionário, com a tecnologia a barreira de entrada praticamente zerou. Você cria uma conta em corretora pelo celular em minutos”, diz Fernando Miranda, presidente da Easynvest.
Com a taxa de básica de juros anual (Selic) caindo de 14,25% em 2005 para 2% em 2020, o investidor brasileiro busca diversificar a carteira, explorando cada vez mais ativos de renda variável. Tal movimento, por sua vez, impulsiona o surgimento de corretoras, casas de análise e escritórios de agentes autônomos.
Com mais ofertantes na jogada, o custo das operações tende a cair —recentemente, diversas corretoras zeraram a taxa de corretagem para ações, por exemplo.
Devido ao baixo percentual de ganho com cada cliente, é preciso adquirir escala para sobreviver no mercado, o que impulsiona fusões e aquisições de olho na carteira de clientes das corretoras e nos correntistas dos bancos.
“A Neon tem 9 milhões de clientes. A Magliano nunca pensou em ter essa cifra. Se conseguirmos atingir esses clientes, é uma revolução no mercado de capitais”, diz Magliano Neto.
Segundo agentes do setor, porém, a briga das corretoras não é entre si e sim, com os grandes bancos, que detêm cerca de 90% de todo o dinheiro investido, a maior parte em poupança e CDBs (Certificado de Depósito Bancário).
“A necessidade de poupar do brasileiro que aumentou na pandemia e ele entrou na Bolsa, mas o total [pouco mais de 3 milhões] ainda é baixo, menos de 3% da população economicamente ativa. Nos EUA, esse percentual é de 54%. No México, Índia e Itália é mais de 5%”, afirma Miranda, que projeta 10 milhões de brasileiros na Bolsa nos próximos anos.
De acordo com o executivo, a Easynvest já buscava parceiros antes da compra pelo Nubank, que não oferta investimentos aos seus correntistas, uma queixa de longa data. “Eles também buscavam parceiros e temos uma cultura semelhante, com foco majoritário no atendimento ao cliente”.
No caso da Necton, o BTG preferiu deixar a marca separada para atingir um público distinto do BTG Pactual Digital, a sua corretora.
“Com o suporte do banco, teremos estrutura financeira e tecnológica mais robusta e uma grade de produto mais completa, mas permanecemos independentes”, diz Marcos Maluf, presidente da corretora Necton —o BTG investiu quase R$ 1 bilhão em sua plataforma de produtos financeiros, que estará disponível à Necton.
Segundo Maluf, o mercado está aquecido, mas ele não vê corretoras querendo se vender, com a iniciativa para negócios partindo de bancos. “Conversamos com bastantes casas e ficamos lisonjeados com as ofertas. Não tínhamos necessidade financeira, mas entendemos que o BTG era um parceiro legal.”
Apesar das operações, o setor não vê uma concentração em poucas corretoras. A aposta é no surgimento de mais fintechs, que, por sua vez, irão oferecer investimentos.
“No futuro, empresas como Magazine Luiza e 99 Táxi, por exemplo, terão suas fintechs com corretoras. Isso é bom para o investidor, que terá cada vez mais opções em outras áreas do Brasil, para além do eixo Rio-São Paulo”.
Folha de SP
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