Banco quer mais resultado e redução de riscos de investimentos que, no passado, foram alvo da PF
BRASÍLIA
Depois de diversos sinais de alerta, a Caixa Econômica Federal decidiu intervir na Funcef, o fundo de pensão do banco, pedindo a troca de três diretores, inclusive o presidente do conselho da fundação, que administra R$ 80 bilhões em aplicações para garantir as aposentadorias privadas dos funcionários. Na Funcef desde 2016, Renato Villela presidia a fundação desde fevereiro de 2019. Ele será substituído pelo atual vice-presidente de Riscos da Caixa, Gilson Costa de Santana, funcionário desde 2007 e que foi gerente de previdência da Funcef. Também deixam o cargo Andrea Morata Videira e Wagner Duduch. Ambos eram diretores de investimento desde setembro de 2020. Serão substituídos por Almir Alves Júnior (atual diretor-executivo na Caixa Participações) e Samuel Crespi (diretor-executivo de Produtos e Serviços de Atacado da Caixa). No centro da divergência estava a resistência da direção da Funcef em implementar mudanças na política de investimento para reduzir o risco em aplicações e melhorar a governança que, segundo a Caixa e integrantes do próprio fundo, concentrou poder demais na mão da diretoria. A Caixa não queria mais a manutenção de uma estratégia de investimento que vem penalizando as aposentadorias. Hoje, os inscritos no fundo são obrigados a arcar com metade de um rombo de R$ 25 bilhões gerado por investimentos feitos durante a gestão do governo do PT e que foram alvo de operações da Polícia Federal. Perdas similares ocorreram em outros fundos de pensão estatais que foram usados politicamente. Segundo o TCU, os principais (por volume de beneficiários e aplicações) amargaram perdas de R$ 86 bilhões.
Na Funcef, dependendo do plano de aposentadoria a que cada funcionário optou, o desconto na folha de pagamento (ou do benefício) para cobrir esse buraco varia entre 25% e 50%.
Esse desconto seria menor não fosse o baixo desempenho dos investimentos, ainda muito concentrado em ações da Vale e em fundos de renda fixa, que vêm rendendo pouco em um cenário de juros baixos.
Além disso, desagradava a Caixa aplicações feitas no exterior por meio de triangulações excessivas de fundos de investimento –consideradas muito arriscadas e fora do padrão de governança da fundação.
A diretoria anterior também resistia a criar fundos imobiliários com os imóveis da Funcef. Recentemente, a Caixa criou um fundo dessa natureza de R$ 400 milhões com suas agências. Antes, tinha lançado com imóveis corporativos.
Essa iniciativa seria uma forma de melhorar o resultado financeiro, além de garantir mais segurança aos negócios imobiliários.
Terceiro maior fundo de previdência do país, com 135,9 mil associados, a Funcef destinou no passado R$ 6 bilhões para compra de cotas de fundos de participação em projetos como Sete Brasil e Eldorado, investigados pela Polícia Federal por esquemas de corrupção e outras irregularidades. Cerca de R$ 4 bilhões viraram pó.
A fundação também registrou perdas com outros fundos, como RG Estaleiro, Multiner e Operações Industriais. Perdeu com debêntures (títulos de dívidas) e com cotas em fundos imobiliários.
Há quase dois anos, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, vinha defendendo uma mudança radical nesse modelo, mas a fundação resistia apesar de o banco possuir três indicados com assento no conselho da Funcef.
A postura de Guimarães está alinhada com a do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vem tentando diminuir a ingerência do governo nos conselhos dos fundos.
Recentemente, ele baixou uma norma que acabou com as eleições para o comando de fundos de pensão como Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Petros (Petrobras).
Segundo interlocutores do fundo, Guimarães já tinha sinalizado que faria a troca, mas preferiu esperar o processo de abertura de capital (IPO) da Caixa Seguridade, um negócio que movimentou R$ 5 bilhões há cerca de três semanas com a venda de 15% das ações do braço de seguros do banco estatal.
A Caixa estava preocupada que a mudança pudesse comprometer o sucesso da venda das ações. No meio dessa transação, a própria Funcef sinalizou ao mercado que entraria com cerca de R$ 40 milhões. No entanto, não houve sequer inscrição junto aos bancos que coordenaram a oferta para reservar as ações.
Os papéis foram vendidos por um preço de R$ 9,67, mas já estão valendo R$ 12,37. O valor que seria empenhado pela fundação não representou nem 1%, o que significa que o negócio não teria força para impulsionar o preço inicial da oferta.
A situação causou irritação no comando da Caixa porque o desinteresse da fundação sinalizaria ao mercado problemas com o próprio IPO, afugentando investidores.
Apesar da Funcef ficar de fora desse negócio, mais de 50 mil funcionários da Caixa, entre empregados da ativa e aposentados, adquiriram papéis da Caixa Seguridade na B3, a Bolsa de São Paulo.
Outra divergência foi a venda das ações da Vale que, sozinha, representava 15% de todas as aplicações da Funcef. Nos documentos do conselho deliberativo, o fundo explicou que precisava se enquadrar à legislação vigente que impõe um teto de 10% (do valor total em carteira) em uma mesma aplicação.
Integrantes do conselho, no entanto, discordaram dessa justificativa. Afirmam que a lei garantia que a venda fosse feita no “melhor momento”. A trava de 10%, segundo eles, serviria para novos investimentos.
Segundo interlocutores da Funcef, a diretoria de investimentos da Caixa não teria interferido para a venda desses papéis, que neste ano já se valorizaram 155% com a alta do preço do minério de ferro.
Guimarães defendia uma alocação mais arrojada de recursos. Criticava a dependência excessiva de retorno com as ações da Vale. Não fosse o desempenho com a venda desses papéis, a Funcef teria registrado um prejuízo de R$ 2 bilhões, e não um lucro de R$ 2 bilhões.
Por isso, o presidente da Caixa queria mais diversificação. Ainda segundo interlocutores, para ele, parte do dinheiro hoje aplicado em renda fixa (cerca de R$ 6 bilhões) –remunerado a 3,5% ano ano– deveria ir para outras opções mais arrojadas e seguras. A operação da Caixa Seguridade, por exemplo, teria dado esse mesmo retorno em três semanas.
Sem sinal de cooperação, o presidente da Caixa decidiu trocar os três conselheiros. A mudança foi chancelada tanto pelo conselho de administração da Caixa como pelo conselho da fundação por unanimidade. Na avaliação da Caixa, isso demonstra que não houve retaliação e, sim, uma decisão estratégica.
Procuradas, a Caixa e a Funcef não quiseram comentar.
Folha de SP
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