Autoridade monetária diz que objetivo da medida não é estimular economia; decisão sobre uso dos recursos será dos bancos
O BC (Banco Central) anunciou nesta quinta-feira (20) duas medidas para reduzir o volume de recursos de clientes que os bancos não podem usar para conceder crédito. Em conjunto, as ações têm potencial de injetar R$ 135 bilhões na economia.
De acordo com a autarquia, a decisão não tem o objetivo de estimular a atividade econômica. O BC também reconhece que esse montante potencial não necessariamente será liberado para empréstimos e que a decisão sobre o uso dos recursos caberá exclusivamente aos bancos.
Na primeira medida, a alíquota do recolhimento compulsório de recursos a prazo será reduzida de 31% para 25% a partir de 16 de março. O impacto da liberação será de R$ 49 bilhões.
O compulsório é a parcela de dinheiro dos clientes que os bancos deixam retida no BC. Os depósitos a prazo são feitos quando o cliente investe em um título do banco.
Ao mesmo tempo, a autoridade monetária flexibilizou uma regra que obriga os bancos a manterem em suas carteiras ativos líquidos de alta qualidade, como títulos públicos e operações compromissadas com o BC.
Agora, será ampliado o limite de depósitos compulsórios que poderão ser usados para atender a essa exigência. Com a medida, serão destravados mais R$ 86 bilhões.
As regras alteradas existem como forma de proteger o sistema financeiro, garantindo que haja recursos disponíveis em momentos de estresse no mercado para absorver choques de demanda.
De acordo com o diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra, o Brasil tem taxa elevada do compulsório e ainda há espaço para novos cortes. Segundo ele, a ideia é que esse movimento de queda seja gradual e seguro ao longo do tempo, sem gerar riscos ao sistema. Esta é a segunda redução na alíquota do depósito a prazo em menos de um ano. Em junho de 2019, o BC diminuiu de 33% para 31%.
“Não tem a ver com o objetivo de estimular a economia. O objetivo aqui é melhorar a eficiência do Sistema Financeiro Nacional. Estimular a economia, a gente tem outros instrumentos”, afirmou.
Serra explicou que a medida não faz parte da política monetária e que, nessa área, o BC dispõe do instrumento para estabelecer a taxa básica de juros da economia. A definição da meta para a Selic tem o objetivo de controlar a inflação, o que, segundo ele, tem potencial de estimular a atividade no país.
No final de janeiro, o estoque de depósitos compulsórios estava em R$ 450 bilhões.
Estudo do BC aponta que, em uma comparação entre 21 países e a área do Euro, o Brasil tem hoje a quarta maior taxa de compulsório em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), de 6,5%, perdendo apenas para Filipinas, Argentina e China. O governo chinês impõe um compulsório acima de 22% do PIB. Estados Unidos, zona do Euro e Japão possuem exigências inferiores a 2% do PIB. “No Brasil, a gente tem um legado de compulsórios muito elevados. Essa é a jabuticaba. Hoje em dia, a maioria dos países opera com um nível de compulsório muito mais baixo do que no Brasil", disse.
A redução da exigência está entre as medidas da agenda BC, colocada em prática pelo presidente do órgão, Roberto Campos Neto. O objetivo é seguir um plano de cortes estruturais dessas alíquotas a longo prazo.
O diretor afirma ser natural que esse volume não seja convertido em empréstimos no primeiro momento, mas espera que gradualmente os bancos canalizem esses recursos para operações de crédito. Serra espera que esse movimento seja estimulado pela recuperação da economia.
“Acho que é natural que neste ambiente, uma parte desse recursos flua para o crédito, se não em sua totalidade. Mas isso vai depender da política dos bancos”, disse.
Em nota, a Febraban (federação dos bancos) afirmou que a medida "corrige distorções que impediam maior avanço da concessão de crédito".
“É uma decisão que abre mais espaço aos bancos na gestão da liquidez, contribuindo para maior oferta de crédito para o conjunto da sociedade”, disse Murilo Portugal, presidente da Febraban, na nota.
O Itaú considerou que a medida "alinhada à agenda de melhoria da eficiência do sistema financeiro nacional que vem sendo conduzida pelo Banco Central".
Desde 2008, o BC usou o compulsório como forma de estimular ou esfriar a economia, além de criar reservas de valor para reduzir ou aumentar a exposição dos bancos a risco de inadimplência.
Ao reduzir o percentual a ser coletado, o BC permite que os bancos usem esses recursos e emprestem mais, o que poderia ajudar o país em momentos de crescimento mais lento, como o atual.
A última alta do compulsório foi em 2015. Desde então, as taxas vêm sendo reduzidas. Em junho do ano passado, o BC já havia cortado a alíquota dos recursos a prazo de 33% para 31%, com impacto de R$ 16 bilhões.
Um dia após essa decisão, embora não tenha poder sobre as ações do BC, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que seriam liberados mais R$ 100 bilhões do compulsório. Na época, a autoridade monetária não confirmou a informação e disse que não havia definição de prazos ou montantes.
ENTENDA O COMPULSÓRIO
É o percentual de recursos dos clientes que estão no banco e que não podem ser usados para emprestar
Esse percentual varia conforme o tipo de depósito:
Depósito à vista É o dinheiro em conta-corrente 25% é quanto os bancos precisam deixar no BC, sem rendimento
Depósito a prazo São investimentos como CDB (emitidos por bancos) e RDB (por financeiras) 25% é quanto precisa ficar no BC, que rende a Selic
Depósitos de poupança 20% das aplicações, que rendem o mesmo que a caderneta
Folha de SP