Banco será menos rentável que privados para manter papel social, diz Pedro Guimarães
Prestes a completar um ano à frente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães afirma que banco estatal só faz sentido enquanto tiver função social, como estar presente em todos os municípios do país —uma marca que almeja alcançar no primeiro trimestre de 2020— e atuar na execução de programas da política pública do governo.
Em entrevista à Folha, afirmou que, dentro dessa perspectiva, a Caixa terá rentabilidade menor que a de grandes instituições privadas brasileiras, sem porém, deixar de lado o mantra de atuar como banco da matemática sustentável.
Orgulhoso das viagens que fez ao longo de 40 finais de semana a diferentes estados do país, ele afirma que agora conhece a realidade da Caixa e que é impossível separar a instituição social do banco comercial.
Disse ainda que continuará a reduzir os juros. A Caixa vem promovendo sucessivos cortes em suas taxas, com destaque para as do cheque especial, que foram reduzidas para 4,95% ao mês, enquanto o mercado cobra, em média, 12,4%. “A pergunta que fiz é: já que quer cobrar o que quiser, por que não cobra 1.000% ao mês?”
Guimarães afirmou ainda que não vê como problema o atraso no primeiro calendário de abertura de capital das subsidiárias e que isso pode até ser positivo, porque a Caixa tende a encontrar uma Bolsa forte, impulsionada pela retomada da economia.
O sr. defendia a privatização da Caixa. As viagens pelo país, visitando agências, mudaram a forma como o sr. vê a instituição? A minha tese de doutorado é sobre privatização. Eu participei da maior de todas, que foi a do Banespa. Ao mesmo tempo, eu nunca tive dúvida da força da instituição estatal, só que a gente percebia, de fora, que a Caixa tinha sido usada e que muita coisa precisava ser mudada.
Mas seu plano inicial era privatizar a Caixa? Não. Eu sempre falei das privatizações em geral, não falava de nada específico a nenhuma instituição. E o presidente da República [Jair Bolsonaro] sempre falou, quando a gente estava no governo de transição, que com Banco do Brasil, Caixa e Petrobras não se brinca.
O sr. conhecia a Caixa quando assumiu o cargo? Nem eu e nem ninguém. A Caixa é mais do que um banco. Eu vejo várias pessoas dizendo que tem que separar o banco social do comercial, e isso não existe. A Caixa é uma coisa só.
No começo, 100% das pessoas estavam esperando que eu privatizasse a Caixa e 100% esperando que eu não ficasse um dia [no banco].
Mas, após esse primeiro ano, eu realmente percebi que esse posto em que estou vai além de fazer o IPO (abertura inicial de oferta de ações) da Caixa Seguridade, que é fundamental. Percebi que com essa instituição é possível ajudar a pessoa mais carente.
A Caixa vem fazendo cortes de juros mais agressivos que os dos bancos privados. Qual é a diferença da redução de juros que a Caixa fez no cheque especial para a redução forçada no governo Dilma Rousseff? Ninguém está me forçando. A diferença é que não estamos baixando nas empresas, área que teve maior problema [na época]. Eu acredito que tem espaço para cortar mais, mas nós não vamos diminuir se o nosso custo não diminuir.
A pergunta que eu fiz é: já que quer cobrar o que quiser, por que não cobra 1.000% ao mês?
O juro tem três variáveis: a taxa, o índice de inadimplência e o tamanho da carteira. Dado que o índice de inadimplência é muito elevado cobrando 14% ao mês [no cheque especial], a nossa aposta é que cobrando 4,95% ele reduza muito. E isso pode levar a termos uma carteira um pouco maior. Essa é a matemática que adotamos, e vamos ver qual vai ser o resultado.
O Banco Central decidiu impor um teto de juros para o cheque especial, autorizando a cobrança de tarifa do consumidor. Não é incoerente para um governo liberal? Sou amigo do Roberto [Campos Neto, presidente do Banco Central] há 30 anos. Ele é uma excelente pessoa, um excelente técnico e alguém que está revolucionando o Banco Central.
Está jogando muito com a questão de tecnologia. Eu prefiro não falar porque eu não posso comentar uma decisão do regulador.
Do nosso ponto de vista, o que eu posso dizer é que não tem impacto porque estamos em 4,95% [o teto será de 8%].
A Caixa vai cobrar a tarifa no cheque especial? Não. Estou muito mais para reduzir os 4,95% [dos juros] do que pra cobrar fee [taxa]. Eu quero ver, se for o que nós projetamos, se a gente reduz mais a taxa. Em mais dois ou três meses eu tento fazer uma revisão.
Quando a Dilma pressionou pela redução dos juros nos bancos públicos, a crítica foi a redução de rentabilidade deles. Porque não era 18% [de rentabilidade], era zero. Não tinha lucro, não tinha patrimônio. Por que teve que colocar R$ 40 bilhões de IHCD [Instrumento Híbrido de Capital e Dívida, usado pelo governo para capitalizar bancos públicos] na Caixa? Porque o banco não tinha dinheiro. Isso não vai acontecer agora.
Todas as contas que nós fazemos dão um bom resultado. Por que nós não teremos os 18% do Bradesco e do Itaú? Porque estaremos em todos os municípios.
Qual vai ser a rentabilidade da Caixa então? 15%, que ainda é três vezes a Selic [a taxa básica de juros, que está atualmente em 4,50% ao ano]. E boa para um banco social.
Então a Caixa vai ter mesmo rentabilidade menor que a dos demais bancos brasileiros? A questão é a seguinte: o que é maximizar o retorno? Nós somos um banco social. Se for para maximizar resultado financeiro, não era para eu estar nos 5.570 municípios.
Mas vocês também estão fechando agências. A gente vai abrir mil pontos de venda: 30 agências, 700 lotéricas e 270 correspondentes bancários exclusivos. Nós faremos uma análise. Nunca fecharemos numa cidade que só tem uma ou duas agências bancárias.
Mesmo que a agência seja deficitária? Temos uma questão social diante de nós. A gente recebe para fazer a gestão do FGTS, então isso seria deficitário em que sentido?
Outra questão muito importante: por que a gente se manteve com a gestão do FGTS? Porque a Caixa é um banco social. Quem está pagando o Bolsa Família é a Caixa. O dia em que nós não formos um banco social, como defender que seja estatal?
A Caixa vai lançar crédito imobiliário prefixado? Vamos lançar até março o crédito prefixado, que significa sem TR [taxa referencial], sem IPCA [inflação], nem nada. Terá empréstimos de 30, 35 anos pagando taxa fixa. Isso para nós, brasileiros, vai ser uma revolução.
Eu acho que o crédito com IPCA já foi uma mudança grande, mas o pré vai pegar tanto compradores do IPCA quanto da TR, porque é um seguro.
Qual vai ser a taxa de juro desse novo crédito? Vai ser mais caro que o crédito atual? A taxa de juro eu posso falar só em março, mas não pode ser nunca igual [às linhas existentes] porque o pós exatamente tem um TR ou um IPCA porque há um custo de hedge [proteção].
Então, se daqui a 5, 10, 15, 20 anos [a economia] degringolar, eu vou estar defendido.
A Caixa quer entrar no setor de maquininhas agora que a concorrência está acirrada e as margens de lucro foram espremidas. Faz sentido neste momento? Sim, [a margem] é maior do que zero. O problema é que hoje a gente ganha zero. Entrar agora é melhor do que não entrar nunca.
Eu vou entrar fazendo parceria com alguma entidade privada que já está na terceira ou quarta derivada [fase de desenvolvimento do negócio]. Porque, se eu for tentar entrar agora, eu vou estar sempre três passos atrás.
A Caixa vai passar a atuar em microcrédito, que está sendo incentivado pelo governo? É uma meta de dez anos, mas a gente quer ter 30 milhões de pessoas com microcrédito. É importante porque a gente não pode fazer um microcrédito com voo de galinha. Devo ir para Índia e China para olhar um pouco dessas experiências lá, o pessoal está interessado em fazer parceria conosco.
Se eu tiver uma tecnologia que já funciona e com o nome da Caixa, acabou. O cliente que vai tomar o microcrédito é exatamente o nosso cliente, que já vai à Caixa pegar o Bolsa Família.
A Caixa já mudou o suficiente para atrair investidores em IPOs [abertura de capital em Bolsa de Valores] das subsidiárias de seguros e cartões? Só o que eu ouço de funcionário querendo entrar [na oferta], de pessoas querendo colocar [dinheiro].
Quem é cliente confia. Nós vamos fazer, nessa operação, conversa com clientes pelo Brasil inteiro porque essa é uma maneira de vender a revolução que está sendo feita.
Por que o calendário de IPOs anunciado atrasou? A gente acha que atrasou seis meses tudo. No primeiro semestre, meu foco maior era tirar a ressalva do balanço do banco [questionamentos que eram feitos pela auditoria], fazer a venda daquelas maluquices [participações que o banco tinha em outras empresas, como Petrobras], estar muito próximo dos clientes e dos funcionários.
Neste segundo semestre é que ficou mais focado nessas operações de IPO. Por outro lado, acho até que o timing está perfeito, porque a gente vai abrir o capital em uma Bolsa muito forte, com uma retomada da economia que nós já vemos.
RAIO-X DA CAIXA
R$ 8 bilhões: foi o lucro líquido da Caixa no 3º trimestre
R$ 456 bilhões: é o tamanho da carteira de crédito habitacional, que cresceu 3,6% na comparação com igual período de 2018
85.086: é o número de funcionários da Caixa
4,95%: é a taxa de juro do cheque especial da Caixa, abaixo da média de 12,4% cobrada pelos demais bancos do país
2,38%: é o percentual de inadimplência registrado pelo banco no terceiro trimestre deste ano, menor do que a média do mercado no período
Folha de SP