Taxar desempregados é a última dos que só querem botar mais pão na sua mesa
“Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo.” A lapidar frase do ministro Paulo Guedes, dada em entrevista à Folha, certamente merece estampar a fachada do memorial que ainda há de ser erguido em homenagem a esses bravos homens que paulatinamente desentulham a legislação trabalhista brasileira com o único intuito de colocar mais pão na mesa do trabalhador.
Há três anos e meio, desde que o centro-esquerdista —segundo Guedes— Michel Temer (MDB) assumiu, empresários têm obtido seguidas vitórias, todas embaladas pelo discurso de que, livres das amarras da caquética CLT, ampliarão investimentos e contratarão a torto e a direito.
A reforma trabalhista de Temer foi anunciada como o bilhete de entrada no éden. Curiosamente —fenômeno semelhante se deu com a atual reforma da Previdência—, algum tempo depois os bravos lembraram-se de dizer que a coisa, por si só, não faria milagre. Se nada ocorreu como o anunciado é que não se fez tudo aquilo que deveria ter sido feito.
Agora o louvado time de Guedes propõe taxar desempregados. Tudo, claro, em defesa dos próprios desempregados, que só não são mais de 12,5 milhões de pessoas porque a informalidade bate recorde.
Gente como Julio Cezar Reis, ouvido pelo jornal Agora, em julho, cuja rotina, incluindo fins de semana, consistia em carregar a bicicleta de 15 kg por 80 degraus, pedalar por 12 km até a avenida Paulista para entregar comida pelo Uber Eats, Rappi e iFood. A tarefa, sem direitos trabalhistas, lhe renderia algo próximo ao salário mínimo ao mês. Tivesse ele a sorte de ter Guedes em sua infância, talvez já fosse, como os ricos, um sábio gestor de seus bastos recursos.
Carteira Verde e Amarela, política de extermínio de sindicatos, de achatamento do salário mínimo, a revolução liberal no lombo dos trabalhadores segue encantando aqueles para quem nosso progresso depende apenas da evolução do Ibovespa.
Ranier Bragon
Repórter especial em Brasília, está na Folha desde 1998. Foi correspondente em Belo Horizonte e São Luís e editor-adjunto de Poder.
Folha de SP