Grandes instituições financeiras anunciaram cortes de milhares de funcionários em 2019. O 'Nexo' conversou com dois economistas sobre o movimento e as perspectivas do setor
Em 8 de julho de 2019, o Deutsche Bank anunciou o corte de 18 mil empregos pelo mundo, em um movimento que representou a maior demissão em massa no setor financeiro desde que mais de 25 mil pessoas foram dispensadas pelo Lehman Brothers durante a crise de 2008, em setembro daquele ano. O Deutsche, que passa por um momento de baixo desempenho no mercado financeiro, encabeça a lista de grandes bancos pelo mundo que anunciaram grandes cortes em 2019. Entre os bancos globais de investimento, o total de funcionários que foram demitidos chegou à casa dos 30 mil desde abril. Outras instituições financeiras que optaram pelos cortes de vagas são HSBC, que demitiu 4 mil pessoas – cerca de 2% de todos os funcionários do banco no mundo –, Santander, que cortou mais de 3 mil postos, e Barclays, que dispensou mais de 3 mil empregados. O Citigroup é outro que deve demitir centenas de pessoas. No Brasil, mesmo com lucros altos e uma situação mais confortável em relação à receita, os bancos seguem a mesma tendência, visando ao corte de custos de operação. Em maio de 2019, a Caixa Econômica Federal apresentou um PDV (Programa de Demissão Voluntária) para cortar 3,5 mil postos de trabalho. Pouco mais de dois meses depois, o Banco do Brasil abriu um programa de demissão e reestruturação de cargos que resultou no desligamento de 2.300 pessoas. A ação integrou o plano de transformação digital do banco. Na mesma época, o Itaú Unibanco também anunciou um PDV, sem detalhar quantas vagas cortaria. Segundo o banco, o programa teve adesão acima do esperado – cerca de 7 mil pessoas eram elegíveis. No final de agosto, o Bradesco anunciou um PDV voltado para os funcionários mais antigos do banco. Não foram divulgados detalhes a respeito do número de pessoas que devem ser desligadas. As demissões no Brasil são acompanhadas pelo movimento de redução no número de agência bancárias. Nos três anos entre agosto de 2016 e o mesmo mês de 2019, o total de agências dos cinco maiores bancos que operam no país caiu 6,71%. O Itaú Unibanco, aliás, planeja fechar mais cerca de 400 agências nos próximos dois anos, o que representaria uma redução de quase 10% no total de agências da instituição no Brasil. O Nexo conversou com especialistas sobre os movimentos por trás dessas demissões e as perspectivas do mercado de trabalho no setor bancário pelo mundo. Simone Pasianotto, economista-chefe da REAG Investimentos e William Eid, coordenador do Centro de Estudos de Finanças da Fundação Getulio Vargas
Quais fatores influenciam a alta nas demissões nos bancos brasileiros? E no resto do mundo?
SIMONE PASIANOTTO Primeiro que isso não é um movimento novo. Há uma matéria da Folha de 1° de maio de 1998, que traz no título: "Computadores provocam a demissão de 349 mil bancários em apenas sete anos; bancos consideram que a diminuição do número de funcionários não terminou". E não terminou mesmo. Estamos vendo, 21 anos depois, que essa tendência ainda se mantém. Com o desenvolvimento tecnológico, o setor bancário tem sido transformado, como tantos outros (automobilístico, manufatureiro de forma geral), passando pela transição de deixar de ser intensivo em mão de obra e começar a ser intensivo em capital. E é isso que estamos vendo. Temos ainda um agravante no setor bancário, que é o surgimento das fintechs. Entramos para a era digital, em uma transformação que aumenta ainda mais o investimento em capital, em tecnologia, reduzindo o capital humano no setor. Os bancos aqui no Brasil são muito adiantados na revolução digital. Mas acho que a temos ainda um grande desafio para disseminar o acesso digital no Brasil. O país tem dimensões continentais, o que é diferente da Europa. Temos a presença ainda muito grande da agência bancária, com o gerente, com o cafezinho. Em vários lugares do Brasil, ainda é o gerente que auxilia o rentista a tomar decisões.
WILLIAM EID Em primeiro lugar, tecnologia, no mundo e no Brasil. A tecnologia é muito mais barata do que manter um monte de gente em uma agência de mármore. Reduzir agências já era uma tendência no mundo há 30 anos e chegou no Brasil mais recentemente. Um segundo ponto é a concorrência. Todo mundo está em tudo quanto é lugar, sejam os bancos tradicionais ou os digitais. Isso força a redução de custo, que leva a uma revisão dos gastos. E a primeira coisa que você corta são agências. Não há como escapar, são esses dois grandes fatores.
O que esperar do mercado de trabalho nos bancos nos próximos anos? Além da tecnologia, como a tendência de juros baixos podem impactar essa trajetória?
SIMONE PASIANOTTO As demissões vão continuar de forma paulatina, acompanhando a tendência de intensificação do acesso digital. Isso vai reduzir o capital humano não qualificado no setor. As pessoas vão precisar ter qualificação para atuar, seja como assessor de investimentos ou desenvolvedor de tecnologia – esse é o tipo de profissional que os bancos vão absorver. O trabalho não qualificado provavelmente vai ser reduzido. Quanto aos juros, acho que não há muito impacto. A partir do momento em que você diminui os juros, você tem que proporcionar produtos financeiros mais diversificados. Com juros baixos, produtos tradicionais como a poupança deixam de ser atrativos; então, os bancos precisam diversificar o portfólio de investimentos, com produtos com maior risco e maior retorno. Eles precisam ser mais criativos para oferecer produtos e uma carteira mais diversificada.
WILLIAM EID O gerente tradicional de agência está acabando. Se hoje eu tivesse que escolher uma profissão, não seria gerente de banco, que até era chique até uns anos atrás; ele cada vez mais vai ser substituído por robôs, principalmente no varejo. Não há por que ter um conselheiro físico lá. O que está acontecendo no mundo é que a inteligência artificial está aconselhando os investidores. Então o gerente perdeu o emprego; os outros, como caixas, há muito tempo já são inúteis. Tudo isso está levando ao fim dessas profissões mais tradicionais, de menor tecnologia. O juros baixos obviamente influenciam porque o spread bancário, onde está embutido o ganho do banco, tem que ser reduzido. Se olho no jornal e vejo que as taxas estão em -0,5%, por que o banco vai me cobrar 10%? Eu vou espernear. O banco tem que reduzir o spread e sua remuneração. Então, ele tem que reduzir os seus gastos.
Até onde pode ir a automação no mundo financeiro? Qual é o limite mínimo de presença humana para que os bancos funcionem?
SIMONE PASIANOTTO Todo o trabalho rotineiro, repetitivo, vai ser trocado. As atividades que incorporam inteligência e desenvolvimento de novos produtos vão ficar a cargo do capital humano. Isso a máquina não vai conseguir fazer. Mas o trabalho repetitivo com certeza será substituído.
WILLIAM EID Eu ainda acho que, hoje, o pessoal de alta renda vai querer um atendimento pessoal, mesmo que ele não seja muito bom. Há o desenvolvimento cada vez maior das máquinas de inteligência artificial e do entendimento de linguagem humana. Então, até para pessoas de alta renda as operações mais triviais serão feitas através da tecnologia. A vantagem da tecnologia é que ela reduz a margem de erro. Eu, como cliente, vou ficar muito mais satisfeito. A capacidade de entendimento que a inteligência artificial tem por trás é muito impressionante. O limite é o céu. Colaboraram Gabriel Maia e Caroline Souza com o gráfico.
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