Proposta acaba com a penalidade de aposentadoria forçada a magistrados que cometeram irregularidades, que são afastados do cargo
A reforma da Previdência pode enfraquecer as punições aplicadas a juízes que cometerem irregularidades.
A proposta acaba com a penalidade de aposentadoria forçada a magistrados, que são afastados do cargo e passam a receber um valor proporcional ao tempo de serviço.
Essa medida punitiva é criticada por ser vista como um “prêmio” a corruptos, que ficam sem trabalhar e recebendo uma remuneração alta.
No entanto, acabar com esse tipo de sanção e não prever uma substituta limitaria o poder do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que passaria a aplicar somente penas ainda mais brandas.
O relator da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), nega que a intenção seja suavizar as punições, mas sim acabar com a aposentadoria vitalícia, que ele considera imoral.
Segundo Moreira, o objetivo foi atacar essa medida, que não é prevista para nenhuma outra carreira.
“Não podemos, em função da inércia e falta de iniciativa institucional, mantermos um privilégio esdrúxulo”.
O relator se refere ao STF (Supremo Tribunal Federal), que tem a prerrogativa de propor ao Congresso mudanças na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) com punições mais rígidas para juízes que cometerem irregularidades.
Hoje, o CNJ pode punir membros do Judiciário com advertência, censura, remoção (troca de cidade) e disponibilidade e a aposentadoria compulsória.
A disponibilidade é a segunda mais grave prevista na Loman. Essa sanção não afasta o juiz definitivamente; deixa que o período da sanção seja contado para uma aposentadoria mais elevada e permite que o infrator retorne à atividade após alguns anos.
Técnicos da Câmara que participaram da elaboração do relatório da reforma argumentam que nada impede que essa lei seja alterada para que, ao ser punido com a disponibilidade, o magistrado corrupto fique sem remuneração. Mas isso teria que partir do próprio Judiciário.
Para perder o cargo e os rendimentos, o juiz precisa ser condenado em processo judicial —julgado por colegas e, geralmente, moroso.
A demissão só é confirmada quando o processo estiver encerrado e não for mais possível recorrer da condenação.
Isso porque um magistrado se torna vitalício após dois anos de exercício e só perde o posto por sentença transitada em julgado (sem mais recursos).
Enquanto o processo judicial não se encerra, o CNJ pode aplicar, portanto, penalidades na esfera administrativa, sendo que a mais dura é o afastamento definitivo por interesse público —aposentadoria compulsória.
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De 113 decisões, desde 2006, 65 magistrados receberam essa punição. Há casos de venda de sentenças, desvio de recursos públicos, tráfico de influência e estelionato.
“Sem a pena máxima, é um enfraquecimento da resposta punitiva do Estado”, disse o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto.
O ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp, que foi corregedor do CNJ, considera a aposentadoria compulsória, como vigora atualmente, injusta.
Mas, da forma que foi aprovada, a reforma, para ele, “atenuaria a aplicação de penas disciplinares”.
Dipp defende que os corruptos sejam afastados sem remuneração e, por isso, sustenta que o STF apresente um projeto com sanções mais adequadas.
“Isso [apenas acabar com a aposentadoria compulsória] representa um retrocesso imenso. Como é que você vai acreditar numa decisão de um juiz que está sendo processado criminalmente?”, questiona o ex-presidente do STF Carlos Velloso.
O professor de Direito da UnB (Universidade de Brasília) Henrique Costa reforça que a sociedade, em geral, é contra a aposentadoria forçada e a alta remuneração paga a magistrados corruptos, mas o CNJ só pode aplicar as penas previstas em lei.
“Há uma gradação até uma punição máxima. Se ela não existir mais, sobram as mais brandas”.
O fim da aposentadoria compulsória foi proposto pelo deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) e acatado pelo relator da reforma da Previdência.
Essa é uma batalha que Bueno trava há anos no Congresso, tentando aprovar projetos que acabam com essa pena, que ele considera absurda.
Questionado, o deputado respondeu que, após a reforma da Previdência, irá propor uma nova sanção para juízes corruptos.
Mas especialistas dizem que isso só pode ser feito pelo STF.
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) se posicionou contra a extinção da aposentadoria compulsória. Segundo o presidente da entidade, Jayme de Oliveira, isso não poderia ser feito em meio a uma proposta de reforma da Previdência.
Em 2013, o Senado aprovou, em apenas um turno, uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para que o Ministério Público fosse forçado a pedir uma ação contra magistrados acusados e para acelerar o processo judicial.
A proposta, contudo, não avançou no Congresso e teve lobby contráriodas entidades que representam os magistrados.
Outra ideia que já circulou no Parlamento foi para limitar a R$ 4 mil o valor da aposentadoria de magistrados afastados por corrupção. Essa também não avançou.
Por ser uma alteração na Constituição, a reforma da Previdência precisa ser votada, em segundo turno, na Câmara. Esta etapa está prevista para o início de agosto.
Depois, seguirá para o Senado, onde também precisa ser aprovada em dois turnos.
Folha de SP